sábado, 24 de novembro de 2012

Barris


Tinha prometido ao meu amigo Cecé que iria escrever sobre os Barris um dia, como ele escreve sobre a cidade baixa, assim, de uma forma poética, com lembranças misturadas a sentimentos… Mas será possível que se tenha lembranças sem sentimentos ? Ou seriam elas lembranças porque são carregadas, inundadas deles até a raiz ? Talvez... Talvez a memória seja mesmo algo puramente sentimental...
Esperei muito para poder começar a escrever sobre os Barris... É como se fosse um domínio sagrado, intocável. Em todo caso, sensível, e muito. Talvez um pouco de medo dos sentimentos que me invadem, mas ultimamente não pude evitá-los... Um apanhado de eventos e encontros me fizeram entrar num túnel do tempo do qual acho que ainda não saí. Pensei então que não deveria existir melhor momento do que esse para falar dele...
Barris…
Foi lá que fui parar quando cheguei naquela terra que seria a minha de adoção. Pouquíssimas vezes na minha vida assumi que era carioca… Minha mãe detesta essa minha rejeição pelo Rio de Janeiro... Não saberia dizer a razão, talvez simplesmente pelo fato de que era aquela a minha terra, não outra, na alma, no destino, maktub. Salvador, com todas as suas vogais abertas e seus oxentes parecia ter sempre corrido nas minhas veias. E de certa forma sim… Meu pai, baiano e soteropolitano de Brotas (sempre adorei isso de ser « soteropolitana »), sempre tinha mil histórias para contar, de quando ainda passava bonde, de quando o centro da cidade ainda era acolhedor, dos carnavais antigos, dos pratos feitos por minha vó Cecé, das incursões políticas de meu avô no PTB da época, das praias da Ilha, das peraltices de quando ele era criança lá em Brotas… Minha vó sabia fazer um ensopado de mamão verde que ela usava como se fosse chuchu e que ela mandava os meninos pegarem, logo ali, no quintal da casa... Da casa de Brotas... Nunca conheci essa casa, acho que ela nem existia mais quando chegamos em Salvador, mas ela sempre viveu no meu imaginário de criança, um casario daqueles coloniais com suas janelas imensas e seus corredores infindos.
Eu sempre fui ávida de histórias alheias, podia ouvi-las por horas a fio. Talvez por isso faça hoje o que eu faço: só escuto. Um conto contado por seu dono tem sempre uma riqueza escondida, a riqueza de revivê-lo, de voltar lá e de ver de novo tudo aquilo, de ver e de  compreender onde batia o coração.
Minha tia Lyra, irmã de meu pai, também contava muitos deles. Diferentes, mas contava Salvador de uma época em que tudo parecia bem mais fácil. Onde o medo não era tão banal e tão quotidiano. Ela contava histórias de outros lugares também, e tinha fotos... Fotos em preto e branco como aquelas das estrelas de Hollywood, com seus vestidos acinturados, suas saias rodadas, como se tivessem saído de um cartaz daqueles filmes antigos.
Cheguei nos Barris. Tinha três anos, cabelos longos nunca cortados, olhos grandes cheios de curiosidade. Minha tia sempre contava a minha chegada, era uma de suas histórias preferidas. Ela dormia de tarde, sempre, e eu cheguei de tarde, no meio do seu sono. Debrucei-me em sua cama e fitei-a com meus olhos grandes. Foi amor à primeira vista. Minha tia me deu uma irmã, Martinha, que foi sempre companheira e, muitas vezes, antagonista, como toda irmã deve ser. Dividíamos tudo, guarda roupa e confissões.
Um apartamento livre no andar de baixo selou meu destino nos Barris. Ali, no edifício Cardoso, número 9, apartamento 202 da Rua Almeida Sande.




Meu quarto sempre foi o mesmo, aquele que dava para o Vale dos Barris que eu contemplava de noite quando não tinha sono. Sempre tinha um bando de loucos que jogava bola a qualquer hora do dia ou da noite numa daquelas ilhas entre avenidas transformada em campo de futebol com trave e tudo. Dizia a lenda local que até meu irmão Sergio fazia parte deles… No vale tinha também o estacionamento de São Raimundo, que sempre tinha uma atividade inusitada tipo circo, show, evento político, culto de igreja. Eu pude assim assistir todo um espetáculo de um motoqueiro que se equilibrava com sua moto na corda bamba. Aquela noite foi sensacional ! Meus pais não sabiam nada do meu interesse pelo estacionamento de São Raimundo. Também pudera, eu não adivinharia hoje em dia se fosse com minha filha, o que me faz pensar que eu devo ter perdido algo da loucura infantil que me fazia acordar de noite para, simplesmente, observar o vai e vem dos carros, que eram poucos, e que desciam daquela ladeira que vinha do Garcia…
Lembro daquele quarto como se estivesse entrado nele ainda ontem com seus móveis 70’s laranja choque. Minha mãe deixava também lá sua máquina de costura. Nunca soube por qual razão ela tinha ido parar no meu quarto. Minhas cortinas eram da Disney, com Donald e Margarida que eu conhecia de cor e salteado, faziam também parte das minhas distrações noturnas. De manhãzinha, Donald e Margarida ainda estavam a postos, e eu sentia aquela mão suave fazendo carinho no meu pé. Era minha mãe que me colocava minhas botas ortopédicas antes mesmo que eu acordasse e ela fazia tão delicadamente que quase nem me acordava. Os pés pesados de botas caíam no chão e era aí que eu entendia que eu já estava calçada. Quando não usava mais botas, era o cheiro do café que me acordava, aquele cheiro delicioso de vida em casa e de carinho de mãe.
Naquela apartamento tive um grande amor: meu cachorro Honey. Ele já vinha do Rio conosco, mas eu o conheci ali, naquele apartamento, naquele bairro. Levava Honey pra passear de tardinha, e aproveitava para explorar ao redor. Com ele me sentia protegida, entrava em todas as ruas, fuçava tudo, como ele. Lembro da cor do seu pelo, cor que deu seu nome, cor de mel. Lembro também que ele era invocado e que adorava biscoitos cream-cracker. Num dos seus aniversários, demos um pacote inteiro de biscoitos para ele de presente. Mas ele era meu amor, apesar de um tanto antipático. Ele foi a primeira dor e a minha primeira saudade de verdade. Lembro até hoje do meu robe rosa que vestia quando Seu Zé, zelador do prédio, veio bater na porta de casa para avisar que meu cachorro estava caído lá em baixo. Ele estava tão velhinho e já cego com seus 16 anos que não entendeu que forçava para fora da varanda... Era somente o segundo andar, mas foi demais pra ele assim tão velhinho, justo ele que passou a vida inteira ali, mas um dia esqueceu tudo...
Minha escola era também nos Barris, era uma escola de freiras. Elas eram muito enfezadas, castradoras e, por isso mesmo, deliciosas, porque nada podia ser mais valioso do que a irritação de uma delas. Não podíamos usar bijuteria, nem nada mais que pudesse enfeitar o corpo. Claro, aqueles corpos cheios de desejos de toda sorte não podiam ter voz nem espaço. O desafio era então conseguir passar pela irmã Rocha com uma bijou qualquer sem que ela percebesse... Quando acontecia, ela tomava, então a aposta era alta! Mas valia a pena. Uma vez ela bateu com seu sininho na cabeça de um aluno. Dizem que sangrou, ou já era efeito do telefone sem fio onde corria tais histórias. Decidimos então: tomaríamos aquele sininho, e fizemos. Roubamos o danado num momento de distração e saímos correndo com ele sacudindo e tocando dentro da mochila. Foi um êxtase místico!
Eu ia a pé pra escola, e o meu caminho era a Ladeira do asfalto. Lá tinha a banca de Seu Gorgani (bom, eu dizia assim…). Ali reinavam todos os meus pecados de criança. Bala, chiclete, paçoquinha, pipoca doce (aquela do saquinho rosa), revistinha da turma da Mônica, transfers e o ápice : as figurinhas. Podia ficar sem comer na escola para poder comprar mais um pacotinho de umas míseras três figurinhas, tentando, mais uma vez, conseguir aquela que faltava naquela página, a última do álbum, aquela que ninguém tinha… Fiz tantos álbuns, sempre tinha um novo, Sítio do Pica Pau Amarelo, Turma da Mônica, Sarah Kay...
A ladeira do asfalto era chamada assim porque destoava do estilo do bairro. Todas as ruas por lá eram de paralelepípedo, menos a ladeira do asfalto, que, muito mais tarde, mas muito mesmo, vim a saber que se chamava Rua General Labatut ou Dionisio Cerqueira, nunca lembro. Aliás, todas as ruas por ali tinham outros nomes, os nossos nomes: rua do meio, rua dos jardins, rua da padaria...
A partir da ladeira do asfalto, todas as ruas eram de asfalto. Era como se o mundo moderno começasse ali, e que vivêssemos em outra época, ou talvez em outra dimensão, na idade da pedra lascada em paralelepípedo. Aquela modernidade era ótima, muito melhor para andar de bicicleta. Picula no paralelepípedo se chamava pé torcido e a bicicleta ali dava tanto solavanco que só mesmo andando em cima da calçada. Patins então, nem pensar....
Não, patins era no prédio ao lado, o Amapá, que tinha uma área livre no térreo com piso de cerâmica que era perfeita para nossos ensaios. Mas o zelador não gostava nada, nada daquela idéia... Ele precisava encerar aquela cerâmica vermelha depois das nossas tardes de patins. Também era ótimo para « 1, 2, 3 salve todos » e « Mamãe posso ir ? ». Era o nosso refúgio, sobretudo quando chovia.
Atrás do meu prédio havia todo um universo paralelo que também fascinava : a roça do lobo. Era assim que se chamava a favela que descia a encosta em direção ao Vale dos Barris. Várias pequenas picadas entre os prédios davam acesso à favela e, obviamente, o interesse que tínhamos por ela era inversamente proporcional à aprovação dos nossos pais para que fôssemos explorá-la. Como ela descia até o Vale, ela ficava bem debaixo da minha janela, o que me dava, em muitas ocasiões, distração por muitas horas.
A roça do lobo era bem animada com seus barracos armados, no sentido literal e figurado. Muitas lajes onde as pessoas se escondiam dos demais da casa mas nos ofereciam, a nós, espectadores das janelas, os mais fascinantes dos espetáculos. Muito amor, muito ódio, muito menino empinando arraia naquelas lajes, muito cachorro secando ao sol juntamente com as roupas, pelas quais se adivinhava o estilo e a composição das famílias. O panorama sobre a favela era tal que, quando infringia a lei e me aventurava naquelas picadas, sempre ficava o receio de ser observada, de ser descoberta por algum delator, de ser pega no salto. Mas era delicioso entrar por uma picada e descobrir sempre um novo caminho para sair em outra. Foi na roça do lobo que tentei subir no meu primeiro e único pau de sebo, também único lugar naquele bairro capaz de oferecer esses prazeres facilmente condenáveis no mundo pequeno-burguês dos prédios e dos casarios locais. Era também lá que conseguia me deliciar com bananas reais, cavacos, sequilhos, capelinhas, geladinhos e abafabancas. Quase toda casinha, quase toda portinha, quase toda janelinha vendia algo, fazia algo, oferecia um serviço, um produto, um trabalho, uma macumba, era só escolher.
O tempo passando, fui ganhando o direito de explorar os territórios proibidos, como a tão desejada rua da biblioteca. Mas antes disso, apesar de proibida, não nos fazíamos de rogados e íamos, pelo simples gosto de desafiar a ordem, até a biblioteca central, onde éramos amavelmente acolhidos a cada vez, como pequenos selvagens que se interessassem inesperadamente pela leitura. Davam-nos livros, levavam-nos até as poltronas confortáveis das salas de leitura, e nos fitavam com olhos de missionários. Não entendiam que estávamos ali somente para desafiar nossas respectivas figuras da autoridade. Muitas vezes conseguimos entrar escondidos no cinema e vimos filmes, ou melhor, pedaços deles, porque o interessante não eram os filmes em si, era o fato de estarmos lá dentro, só isso. Até hoje, pagar nesse cinema me parece estranho, ele ainda tem um quê familiar de quintal de casa.
Nós éramos um bocado, uma renca de meninos correndo, subindo em árvores, correndo, jogando bola, correndo, pulando elástico, correndo, pulando macaquinho, correndo, pulando corda, correndo, correndo, correndo... Eu, Marta, Gabriela, Angélica, Andréa, Bia, Renata, Roberta, Márcia Piu-liu, Cida, Regina, Lúcia, Van-van, e todos os outros de quem não consigo me lembrar o nome de jeito nenhum... Na hora do almoço, do banho, do jantar, alguém gritava da janela: “ta na hora!”, “volta!”, “sobe!” e aquela horda de selvagens se dissipava em alguns segundos, claro, depois da dezena de repetições dos clássicos “já vou!”, “tô indo!”, “peraí!”, “agora não!”... Era tudo muito simples, era tudo muito bom.
A simplicidade vivida ali tornava tudo mais verdadeiro, era ou não era, valia ou não valia, amava ou não amava. Não usávamos marcas, não sabíamos nem o que era, não estávamos nem de longe nesse faz de conta. Estávamos em outro, no faz de conta da imaginação correndo solta, sem televisão, sem videogame, na rua, descalços brincando, brigando, falando e fazendo bobagem…
As ambições de cada um foram deixando tudo aquilo pra trás, como algo a ser ultrapassado, como uma espécie de mundo interiorano a ser superado para ir mais longe. Mas longe onde ? Longe pra quê ? E finalmente, depois de tantas andanças, tantos encontros e desencontros, tantas despedidas e reencontros, estou sempre ali, com todos eles, brincando descalços uns com os outros naquelas ruas de paralelepípedo entre a rua do asfalto e a dos jardins.
Deixei os Barris com 15 anos, já com outros desejos, e fui morar na praia, mas essa é uma outra história…

Uma pequena leitura a mais:

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Encontros subterrâneos, pensamentos flutuantes


Já estava quase atrasada e, como sempre faço quando isso acontece, corro numa linha reta imaginária que me faz chegar onde quero sem ter que olhar para os lados, sem saber se quem atravessou a rua comigo foi um velho, um cachorro ou aquele príncipe encantado que mudaria minha vida para sempre... Lapso de tempo numa outra dimensão que piora sensivelmente com o hábito de colocar phones de ouvido com música alta. Aliás, música brasileira, por favor, é a única que consigo digerir num sábado de manhã correndo no metrô para não chegar muito atrasada e ainda por cima para ouvir falar de loucura. Hoje foi Lenine com seu desejo martelo e sua vontade bigorna, como os meus nesse momento, que me fazem sair da cama num sábado frio, interessada na loucura alheia.
Corri também pelas escadas, mas algo já me tragava fora do meu túnel narcísico feito de pressa, música poética pernambucana e maluquice, minha e deles. Fui dirigida, num segundo de calma, por um olhar enigmático e decidido, que me olhava como uma pergunta: quem é você? Eu não saberia responder a essa pergunta tão facilmente, mas ele, ele era um sikh.


Nunca tinha tido a oportunidade de me perguntar o que exatamente estaria por tras daquele turbante. Dentro sei o que tem, e é cabelo. Muito cabelo, cabelos longos de quem nunca os corta. É bem verdade que aqui na França, e também no Brasil, os sikhs estão bem longe de constituir um grupo étnico majoritário dentre os minoritários. Nem sei se posso afirmar ter encontrado algum sikh anteriormente numa situação assim tão banal quanto essa de correr para pegar o metrô. Talvez então tenha sido mesmo somente o fato de ter em minha frente um sikh que tenha me extraído daquele torpor mental típico dos apressados.
Saí da viagem pernambucana e, de repente estava lá, acompanhada de Juliette Binoche cuidando de um paciente inglês sem nome lembrando de seu grande amor perdido no deserto. Naquele filme, um dos meus preferidos e um dos mais poéticos que já vi, Binoche se apaixona por um sikh de turbante branco, soldado do exército inglês que desarmava minas alemães deixadas para trás num último fôlego de ódio. Vi o sikh de Binoche naquele sikh, com a diferença que o turbante que via era de um vermelho profundo, quase vinho.
Finalmente, fui buscar informações sobre o que é ser sikh. Eles usam turbantes para proteger os cabelos que nunca cortam, proteger da poluição, da chuva, do vento. Lembro que o sikh de Binoche usava azeite para cuidar das madeixas... A palavra "sikh" vem do sânscrito e quer dizer "estudante", enfatizando o aprendizado eterno do discípulo. O "sikhismo" foi criado no século XV pelo Guru Nanak que pregava a igualdade entre os homens, o que fazia dele um crítico da sociedade de castas e das eternas lutas entre hindus e muçulmanos. Sikhs são vegetarianos, monoteístas e atribuem à figura de Deus a expressão mais bonita que já conheci: "O Verdadeiro Nome"; também acreditam em reincarnação e na necessidade de reincarnar determinada pelo karma. O turbante não é uma obrigação religiosa, mas os integristas, como sempre eles, usam e se autoproclamam "puros". Os cabelos são um dom divino, e devem ser protegidos... A maior parte dos sikhs, sobretudo os que se enraizaram em países ocidentais, deixou de usar o turbante e cortou os cabelos pelos problemas usuais relativos ao preconceito e, hoje em dia, relativos também à confusão entre eles e o islamistas radicais, como os Talebans. Afinal, indianos hindus, sikhs, paquistaneses muçulmanos, afegãos radicais, o ocidente tem mesmo muita dificuldade com essas definições. Ainda lembro do primeiro dia em que peguei um metrô em São Paulo e, parando na estação da Liberdade, disse a minha mãe: quanto chinês!! O que, obviamente, foi acompnhado de um doloroso beliscão que levei anos para compreender...
O olhar daquele sikh me interrogava sobre meu lugar e eu não sabia o que dizer com o meu. Tentava me concentrar no Lenine que já cantava uma música sobre uma mulher magra, tema que dificultava ainda mais a minha concentração. Não consegui ver naquele olhar uma paquera, ou talvez isso seja efeito do abismo cultural que nos separava naquele momento: eu, mulher branca perfumada de Chloé, sombra dourada nos olhos e música nos ouvidos em típica ocidental; ele, sikh vindo de sei lá Deus onde e, por não saber, imediatamente colado ao estereótipo do bom selvagem incarnado naquele lindo sikh de Binoche. Mais do que lindo, salvador de vidas alheias, apesar dos perigos que corria com sua própria. Não pude deixar de achar que ele era digno, mais do que isso, heróico. Finalmente, meu olhar deve ter deixado escapar minha admiração.
Entrei no metrô e me perguntei: e ele? Com qual estereótipo fui identificada? Em qual prateleira fui guardada? Nunca saberei... Esperei do fundinho do coração que aquele sikh tenha pensado em Kristin Scott Thomas em européia elegante perdendo as estribeiras e a razão por amor naquele mesmo filme...

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Organised Housewife???? OMG!!!!!


Hoje dei um “like” numa página no Facebook que me fez pensar... Ela se chama Organised Housewife, com muitas dicas de como ser uma boa dono-de-casa, um saber todo estruturado e organizado como em artigos universitários. Um dos tópicos postados me fez rir: uma cleaning checklist para ajudar a fazer faxina... Sim, faxina, do tipo: comece por ali, faça isso e aquilo, depois passe para lá, etc., etc. E você vai marcando: banheiro? Checked! Privada? Checked! Pia? Checked! E depois você muda de universo: Panelas? Checked! Geladeira? Checked! Armários? Checked!


De fato, ela não deixa esquecer nada, mas é preciso, primeiro, querer se lembrar...
Não é nada mau, no fim das contas, para marinheiros de primeira viagem como eu, mas é um tanto irritante para o meu lado feminista de ver que são sempre as mulheres que estão investidas nesse papel. Enfim, a página não se chama Organised House... husband (??), que na verdade nem existe na língua inglesa, assim como não existe na nossa o dono-de-casa... Muito pano pra manga essa discussão...
Mas não era nela que queria entrar não. Era no fato de que essa checklist dos infernos me ajudou... Caramba! Eu, assim, toda feminista??? Sim, porque a xícara do café da manhã não dá a mínima pro fato de que me digo feminista e ela fica lá, impassível, esperando minha volta do trabalho, quando o sol já se pôs faz tempo... E já observei que todos os objetos caseiros agem do mesmo modo cínico. Ficam bem lá, no mesmo lugar, nem piscam os olhos. Só esperam... Quase posso ver o sorriso de satisfação deles quando abro a porta de casa me dizendo: eu vou te dobrar!
E dobram! Porque eu chego e começo a colocá-los todos nos seus devidos lugares, mas já é sempre tão tarde e já está quase na hora de começar a tirá-los todos dos seus lugares de novo... Essa batalha não termina...
E começo a me dar conta de que existe aqui, nesse universo paralelo da casa, toda uma organização e toda uma ciência de que não tinha o mínimo conhecimento. E o conhecimento aqui é necessário para que essa guerra de nervos não leve os seus embora com ela...
Vamos lá então para o grito profundo e mais intenso do dia:
EU PRECISO ME TORNAR UMA ORGANISED HOUSEWIFE!!!!!!!!!!!!!!!!!!

domingo, 11 de novembro de 2012

Dois e dois são cinco...


A vida dá certamente um apanhado de voltas, mas nem sempre estamos atentos a elas. Ela vai indo, vai indo, até que, um dia, deparamo-nos com uma realidade diferente, com pessoas que não reconhecemos mais tão bem quanto antes e, muitas vezes, não nos reconhecemos mais nós mesmos…
Foi assim que, um dia, enxerguei minha própria vida. Muita água tinha passado sob a ponte e eu não tinha nem notado... Não havia notado que já era diferente...

“Meu amor, tudo em volta está deserto, tudo certo... Tudo certo como dois e dois são cinco...”

Deixei a onda me levar em meio a esse sentimento de estranheza e fui descobrindo prazeres inusitados. Fui sobretudo vivendo o dia-a-dia, não como um passar infindo de dias, mas como ele é: um dia de cada vez. Quero agora ver cada gota dessa água que passa sob minha ponte, quero ver dias nascendo e morrendo sem ser devorada por eles, ou anestesiada, o que seria ainda pior...
Beleza e poesia procuramos, procuramos, procuramos... E se elas estivessem logo ali? Logo aqui? Logo agora?

Esse é um blog feito com a intenção de dividir estas descobertas pequenas e diárias que fizeram com que meus olhos enxergassem muito além do que puderam me dar os muitos saberes acadêmicos que colecionei. Ou muito aquém... De todo modo, fora dos seus campos de visão. Campos para os quais dirijo, hoje, meu olhar, e com incontestável e incomensurável prazer... Sem pretensões, senão a de cultivar a simplicidade desses momentos.